Ana de Hollanda, o Creative Commons e a ignorância…

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Quando o nome de Ana de Hollanda foi indicado para o MinC, isso me pareceu uma coisa boa. Era uma mulher assumindo um ministério que, desde sua criação em 1985, nunca havia sido comandado por uma. De cara, já parecia ser boa a coisa. Mas, nem tudo que reluz é ouro e os acontecimentos que sucederam a sua entrada no Ministério da Cultura me deixaram (e a muita gente) decepcionada. Tenho que comentar as “mancadas” que cometeu a nossa nova ministra no poder. “Mancadas” que têm posto em risco os avanços que havíamos conquistado nos últimos anos em direção à democratização dos bens culturais nesse país. E que também, por outro lado, evidenciam como a elite artística brasileira, da qual Ana faz parte, lida com a ideia de uma cultura livre.

Apesar de afirmar que não está a serviço do ECAD (coisa bem difícil de acreditar…), Ana tem tomado atitudes bastante polêmicas, que beiram a ignorância até e que alegram os defensores do ECAD e de sua política medonha. Uma de suas primeiras medidas como ministra, foi retirar do site do MinC o selo do Creative Commons, que representava a liberdade de compartilhamento do conteúdo disposto no site. E que, muito além disso, representava um avanço das políticas do governo em relação à garantia da liberdade de compartilhamento na internet. Avanço esse que tinha como símbolo maior a proposta de refoma da LDA, que ganhou fôlego durante os ministérios de Gil e Juca Ferreira, e ao qual a ministra atual parece não se entusiasmar muito. Sob a justificativa de que a proposta da reforma não contemplou até agora a área dos autores, ela pretende empurrá-la (com a barriga?) mais um pouco adiante, até que haja um consenso. A quem interessa essa demora na aprovação da lei, ministra? A resposta não é muito difícil de achar…

Perguntada sobre sua decisão de retirar a licença CC do site, Ana respondeu que ela foi administrativa e tentou simplificar a situação da maneira mais ignorante possível, primeiro afirmou que a presença do selo no site era uma propaganda: “Eu achei muito estranha a gritaria que esse caso criou. Aquele selo era uma propaganda dentro do site do MinC. Não existe a possibilidade de você fazer propaganda ali. A responsável agora sou eu e eu não podia permitir que isso continuasse.” Essa resposta, no mínimo, insulta a nossa inteligência. O selo do CC não é uma marca comercial, representa um projeto sem fins lucrativos que disponibiliza um conjunto de licenças padronizadas internacionalmente e que tem a função de informar ao consumidor de determinado obra que tipo de uso e distribuição pode ser feito desta. Ao contrário do que Ana pensa/quer pensar/deseja fazer o povo pensar, o CC não prejudica os autores, não deixa seus trabalhos vulneráveis ou coisa assim, mas permite a eles usarem licenças mais flexíveis.

Depois dessa afirmação ela ainda disse que era preciso fazer uma licitação prévia para que o selo do CC estivesse no site. É mole? Ana é uma ignorante. O CC não é um produto ou serviço para necessitar de uma licitação. A verdade é que ela não quer ou não pode admitir a o real motivo que a fez abdicar do CC. Suas justificativas são fracas e não se sustentam, ela não fez uma crítica do CC que justificasse tais atitudes e nem propôs algo melhor, apenas o suprimiu do site, dando indicações de um retrocesso na discussão da liberdade de compartilhamento.

Além do mais, chamar o selo do CC de propaganda é meio contraditório. Se a digníssima ministra considera este selo como propaganda, o que dizer então das logos do Youtube, Twitter e Flickr, que estão estampados no site do MinC? Se não existe a possibilidade de propaganda no site, o que essas marcas fazem lá? A resposta dela sobre esta questão continuou beirando a ignorância: “Não, aí é diferente. Twitter, Face são redes, as redes são livres para se comunicar, não é um serviço que está sendo oferecido, onde você se clica e entra na página, oferece… O Twitter, o Face são redes…tudo isso foi colocado, aliás, na gestão passada.” Fico na dúvida se ela sabe mesmo sobre o que está falando. O mais absurdo é que a ministra ainda se diz defensora da cultura digital!

Quem quiser conhecer e/ou obter uma licença Creative Commons, entre no site: http://www.creativecommons.org.br/

Acompanhe a trajetória da reforma da Lei de Direito Autoral aqui: http://www.a2kbrasil.org.br/wordpress/lang/pt-br/2011/04/trajetoria-da-reforma-da-lei-de-direito-autoral/

Ronaldo Lemos refuta acusações de João Carlos Muller

“Há cheiro de polêmica no ar. De novo. A Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), que mantém uma relação pouco amistosa com a galera do Creative Commons (CC), através de seu consultor jurídico, João Carlos Muller, inaugurou nas últimas paginas mais uma rodada de discussões. Segundo Muller, a primeira tentativa de acordo a respeito do direito ou não de cópia de obras protegidas aconteceu em 2006. Logo depois que professores da Escola de Direito da FGV-RJ foram impedidos de entrar numa cerimônia realizada, em Copacabana, pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), na qual a entidade lançava uma campanha contra a pirataria.

Esse foi o estopim de uma guerra que se manteve silenciosa desde então. Segundo Muller, o entendimento não foi adiante porque os representantes do Creative Commons (tendo à frente o responsável pelo movimento no Brasil, Ronaldo Lemos, professor da FGV e presidente do iCommons) não aceitaram a proposta formal da indústria.

Ronaldo refuta as acusações. Diz ele que foram recebidas duas propostas da indústria, ambas aceitas. Quando acharam que o acordo estava por sair, foi apresentada uma terceira, que também foi aceita, apesar de a redação, diz Ronaldo, ter piorado. No dia em que assinariam de vez o acordo, foi apresentada uma quarta versão do texto, refutada pelo CC. E por quê?

– Esta proposta, que sequer chegou a ser enviada para nós, fazia uma distinção do mundo físico e da internet, dando menos direitos ao mundo virtual do que se tem no mundo físico – diz Ronaldo.

O representante do CC também rebate as acusações de Muller de que o Creative Commons é patrocinado por provedores, assim como o Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), da FGV. Segundo ele, o CC recolheu, em 2008, US$ 500 mil em donativos, provenientes de fundações e empresas. Do total, diz Ronaldo, apenas US$ 50 mil vieram do Google.

– Isso é totalmente falso, uma calúnia. As doações descentralizadas são a fonte mais importante de financiamento do CC – diz.

Já quanto à CTS, o financiamento é feito por cursos.

– A gente coordena todos os cursos online na área de direito da FGV, são mais de 20 cursos. Já tivemos mais de quatro mil alunos nesses cursos, 1.750 só em 2008. Temos quatro projetos de pesquisa, financiados pela Fundação Ford, pelo Open Society Institute, pela FINEP e pelo IDRC.

Ronaldo também comentou a afirmação de Muller de que o Creative Commons tem baixa adesão, inclusive por parte do padrinho do movimento, Gilberto Gil. Segundo Muller, Gil teria apenas uma música licenciada em CC. Ronaldo lembra que Gil tem um disco inteiro em CC, “O sol de Oslo”. E outros artistas?


– A adesão é crescente. Os últimos números mostram mais de 150 milhões de obras licenciadas no mundo. Além disso, o disco que mais vendeu nos EUA em 2008, em formato digital, foi o “Ghosts I-IV”, do Nine Inch Nails, licenciado em Creative Commons – diz, citando ainda a recente adesão de Barack Obama, presidente eleito dos EUA, à ideia do CC. – Não somos nós que estamos de má-fé. É preciso lembrar que a ABPD e as gravadoras têm, em seus catálogos, menos de 90 artistas. Eles não têm legitimidade para falar em nome dos artistas brasileiros.

Indagado pela DIGITAL sobre as afirmações de Muller – de que poderia colocar sua obra inteiramente em CC, e não apenas uma única música, – Gilberto Gil preferiu não comentar a respeito e garantiu que não lembra de quantas músicas suas estão em Creative Commons. Não deixa de ser estranho, principalmente para quem sempre defende essa nova forma de licenciamento, a ponto de ser considerado “padrinho” dela.”

In: O Globo