Da rede para as ruas

Junho de 2009: suspeitas de fraldes na eleições presidenciais que reelejeram Mahmoud Ahmadinejad leva milhares de iranianos às ruas para protestarem. Dezembro de 2010/Janeiro de 2011: tem inicio uma série de protestos que se espalham por todo o Oriente Médio, com o objetivo de lutar por democracia, direitos humanos, liberdade de expressão, entre outras coisas.  Janeiro de 2011: mais de três mil pessoas se reúnem no centro de São Paulo para protestar contra o aumento do preço de passagens dos transportes públicos da capital. Abril de 2011: tem inicio em Toronto, no Canadá, o movimento internacional conhecido como a Marcha das Vadias, onde manifestantes, sobretudo do sexo feminino, saíram às ruas de diversos países do mundo para defender os direitos das mulheres. Maio de 2011: milhares de pessoas ocupam ruas das principais cidades espanholas para protestarem contra política econômica do governo. Junho de 2011: manifestantes protestam contra a repressão policial em mais de quarenta cidades do Brasil, é a chamada Marcha da Liberdade. Junho de 2011: estudantes inciam protestos no Chile por melhorias no sistema educacional do país. Agosto de 2011: protestos na ruas de Londres contra a violência policial e problemas sociais causados pela crise. Agosto de 2011: estudantes saem às ruas de Teresina para protestar contra as péssimas condições no transporte público da capital.

O que todos esses protestos têm em comum, além do desejo de mudanças sociais? O fato de que eles foram todos articulados, catalizados, disseminados, pela internet. A internet, esta ferramenta que para muitos é responsável também por uma certa inércia que teria tomado de conta dos movimentos sociais nos últimos anos, tem mostrado todo o seu potencial articulador e aglutinador.

Fonte da imagem: http://www.numclique.net/wp-content/uploads/2009/06/iran.jpg

O espaço comunicacional criado pela emergência dela tem possibilitado aos movimentos sociais contemporâneos novas formas de contestação política, novas formas de agregação social, novas formas de construir e coordenar as suas ações, uma outra possibilidade do exercício de solidariedade. A própria noção do estar junto ganha novos significados. Podemos não estar diretamente envolvidos nos protestos no Oriente Médio, lado a lado com os manifestantes, mas podemos estar junto com os manifestantes num espaço virtual, onde as ações políticas também acontecem: em comunidades, fóruns, redes sociais onde se articulam e divulgam os protestos. Podemos estar juntos se, por exemplo, ajudamos em boicotes promovidos pelo movimento, como boicotes a determinados produtos ou sites de empresas/instituições contrárias  aos manifestantes.

Como bem lembra o antropólogo Gustavo Lins Ribeiro, a internet inaugura um novo domínio de contestação política. Em primeiro lugar, pode-se fazer política internamente ao ciberespaço, política na realidade virtual. Em segundo lugar, desde o ciberespaço a comunidade virtual pode influenciar a política no mundo real*. O próprio uso da rede pelos movimentos traz implicações para a nossa forma de fazer política, alargamos a prática política para um terreno virtual. Mas este terreno não deverá ser desimportante ou inválido para a prática política por não permitir encontros físicos. É preciso pensar, tal como nos sugere Gustavo Lins através da evocação das palavras de Jean-Loius Weissberg, que o virtual não substitui o real, não é essa a sua intenção e função, mas ele é uma das formas de percebê-lo. Percebemos o real, percebemos a realidade de todos esses movimentos políticos acima citados, também através de sua atuação no espaço virtual. O virtual não deve ser percebido como oposto ao real, mas como seu terreno auxiliar.

O ativismo político virtual não pode, assim, ser tratado como um ativismo menor, indigno de consideração, pois ele tem suas ressonâncias no mundo real e não se desliga deste. Basta ver a repercussão de um WikiLeaks no mundo hoje ou que os hackers fazem na base de dados de sites mundo afora.

A rede expande as possibilidades de atuação do sujeito. É uma ferramenta como outra qualquer, e é claro, como toda ferramenta, ela não faz nada sozinha se você não souber usá-la. E as funções que você pode dar a ela são variadas.

*Trecho retirado do livro Cultura e Política no mundo contemporâneo, publicado pela editora da UnB em 2000.

Autor: Aracele Torres

Historiadora. Pesquisadora de temas relacionados à software livre e tecnologias digitais. Colaboradora da comunidade de software livre KDE.

5 comentários em “Da rede para as ruas”

  1. Muito Louco a gente pensar todas as infinitas dimensões que a rede toma a cada instante, passando de uma ferramenta conservadora para outra extremamente transgressora. Não começa e nem termina em Seatle, Paulista nos anos 2000 e Teresina nos anos 10, mais o que se nota é força que a ferramenta ganha nesta ações e a clareza de sua utilidade.
    Tomara que os ainda questionadores da utilidade da rede nas ações de rua, primeiro observem tudo que aconteceu nas ações acima citadas e depois é claro leiam este seu texto, será de gande valia para todos, inclusive para aqueles que “corporalmente” não participaram das ações.

    Massa, phelipe

      1. Parabens pelo texto Aracele, agora mais do que em qualquer outro momento é importante interpretar e esse mundo virtual, haja vista que a experiencia demonstrou sua importancia nos processos de mundança social.
        Abraços.
        Ramsés.

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