Acompanhe abaixo as respostas:
Por Augusto Paim
Vivemos em um momento que pode ser chamado de Era da Conectividade. De um jeito ou de outro, todas as nossas relações perpassam ou estão inseridas no ambiente virtual. Profissão, religião, relações de afeto etc. Desconectar, mesmo por um instante, pode gerar angústia. Por isso, a Continuum Itaú Cultural perguntou a sete profissionais que atuam no ambiente virtual ou estudam a cibercultura: o que você faz para se desconectar?
As respostas você lê abaixo.
André Czarnobai, o Cardoso (criador do fanzine CardosOnline)
Que curioso: nos últimos meses, tenho pensado sobre esse assunto. Recentemente, li um livro chamado The 4 Hour Work Week, em que um dos primeiros e mais básicos preceitos é justamente: “Confira seus e-mails o menos possível. Você não vai perder nada de muito importante”. Desde então, venho tentando depender o mínimo possível dos e-mails, o que é um grande problema para alguém que trabalha há cinco anos em casa, e utiliza a internet para 99% das atividades profissionais. Algumas semanas após terminar o livro, todos os meus contratos começaram a vencer e nenhum foi renovado, o que me deixou numa situação de férias pela primeira vez desde 2005. Assim, desde o começo de maio tenho estado o mais desconectado possível.
Eu uso, sim, diversos estratagemas para me desconectar de tempos em tempos. Neste ano, por exemplo, eu me matriculei num curso de francês, o que me toma cerca de quatro horas (somando os deslocamentos), duas vezes por semana. Também comprei meu terceiro videogame (um PS2 – já tinha um DS e um Wii) para funcionar como outra válvula de escape. E, claro, desde 2006 tenho viajado muito. E durante essas viagens me esforço para acessar o mínimo possível a rede – o que acaba gerando outro problema: a maratona de leitura do e-mail na volta. Em uma semana, mais de mil mensagens se acumulam com a maior facilidade na minha caixa de entrada.
De qualquer forma, o melhor jeito de se manter desconectado ainda é ter muitos amigos. Um café no meio da tarde, umas cervejas noite adentro, restaurantes variados: qualquer experiência real é sempre superior aos seus simulacros digitalizados.
Fábio Fernandes (jornalista e escritor de ficção científica)
Pode parece estranho, mas tenho estratégias para fugir é da desconectividade. Há cinco anos, quando comecei a dar aulas (sou professor nos cursos de tecnologia e mídias digitais e jogos digitais), confesso que, mesmo sendo tecnófilo, me incomodava um pouco essa coisa de aluno insistir em não desligar o celular dentro de sala de aula, por exemplo. Hoje, eu mesmo não desligo o meu – não uso relógio de pulso e vejo as horas no celular. Fui aprendendo aos poucos a gerenciar com os alunos seu uso em classe, criando um código não escrito, dando preferência ao vibracall em vez do toque sonoro, por exemplo. Eu mesmo só atendo chamadas em classe se vierem de dentro da própria universidade. Tem dado certo.
Minha estratégia: me manter conectado o máximo possível. Há cinco anos, eu tinha apenas um desktop que já era velho (um PC genérico que devia ter uns cinco anos de idade). Hoje, tenho um desktop Dell com dois anos, um notebook, um netbook, um iPhone e vários pen drives. Não sou tão angustiado a ponto de deixar os aparelhos ligados dentro de um cinema, por exemplo – um dos poucos lugares em que realmente não quero saber de conectividade -, mas preciso ter meus contatos e meus arquivos à disposição sempre que precisar. Antes disso, eu vivia sofrendo com crashes de discos rígidos e perdendo materiais. Hoje, com essa distribuição organizada, acabou-se a angústia.
André Lemos (pesquisador de cibercultura)
Minha estratégia principal para desconectar é ler romances. Acho que temos de achar um equilíbrio entre o que chamo, metaforicamente, de “clique” e “contemplação”. A internet e os demais dispositivos eletrônicos nos permitem interagir, produzir e compartilhar de forma inédita. Podemos, pela primeira vez, produzir, consumir e distribuir informação sob os mais diversos formatos (texto, áudio, foto, vídeo) e a todo o planeta, quase de maneira imediata. As novas tecnologias informacionais em rede nos possibilitam emitir, distribuir e produzir colaborativamente. Sempre que podemos emitir livremente e cooperar com outros, podemos reconfigurar a cultura, a sociedade, a política. Temos de aproveitar essa oportunidade. É isso que chamo aqui de “clique”. Mas devemos também saber o momento de desligar, de viver a duração – e não os instantes fragmentados e numéricos do tempo cronológico -, de consumir menos, do alimento à informação. Devemos assim buscar momentos de contemplação. E não há nada aqui, necessariamente, de religioso ou místico. Trata-se apenas de fechar os olhos para ler um livro, ouvir uma história, seja ela contada por um filme ou por uma música, deixar que outros nos levem pelas suas narrativas. Devemos aproveitar as possibilidades fantásticas do “clique” que a cibercultura nos propõe, mas devemos também saber o momento de “contemplar”. Para mim, há dois momentos: ler e brincar com os meus filhos.
Adriana Amaral (jornalista e pesquisadora de cibercultura)
Para mim, é praticamente impossível desconectar, uma vez que as redes e conexões estão em todos os lugares, coisas e momentos (ainda mais com as tecnologias móveis), mas sinto, sim, a necessidade de fuga de tempos em tempos. A arte do desaparecimento consiste em desligar os celulares, desconectar os dispositivos, sejam eles móveis ou desktops, e desenvolver trabalhos mais manuais ou físicos, como fazer tricô, ler um livro ou encontrar pessoas amigas para um prosaico café.
Lenara Verle (pesquisadora de arte eletrônica)
Quando surgiram os telefones celulares, lembro que muitos amigos meus não queriam ter um porque as pessoas iriam achá-los sempre, e eles não teriam momentos de tranquilidade. Eu tentava explicar que existe o modo silencioso, e que eles não eram obrigados a atender quando o celular tocasse. Inclusive, com o identificador de chamadas, seria possível saber de antemão quem estava ligando.
Mesmo hoje meus amigos continuam reclamando da conectividade “invasiva”. Nunca me senti invadida e creio (ou pelo menos assim espero) não ter perdido nenhuma amizade por não atender o celular. As pessoas do meu círculo de relações sabem que se não atendi é porque não pude no momento, e que retornarei a chamada quando for mais apropriado. Ok, talvez com a exceção da minha mãe, responsável pelo aviso em meu celular, quando saio de reuniões de trabalho: 15 chamadas não atendidas.
Se por um lado, me sinto à vontade para não atender o celular sempre que ele toca, já causei espanto nos amigos ao declarar que tenho saudades dos aparelhos “tijolões”, porque eram à prova d`água e eu podia atender no chuveiro. Mas, enfim, cada um tem a sua ideia de momentos apropriados, e para mim o banho era apropriadíssimo.
Meu celular tem internet. Em vez de carregar um dicionário de papel gigantesco para minha aula de alemão, consulto excelentes dicionários on-line especializados. Nas viagens, o Google Maps já me guiou muitas vezes, bem mais facilmente que um mapa de papel. A conectividade dos dias de hoje é muito confortável. Mas tenho certo medo de quanto o Google sabe sobre minha vida, e o que poderia fazer com toda essa informação, se traísse sua missão de “não fazer o mal”. Claro que malvados existem também no mundo analógico, mas me lembro de uma frase que meu pai gosta de citar: “Errar é humano, mas para fazer uma imensa burrada é preciso ajuda de um computador”.
Renata Simões (jornalista)
Mantenho um pequeno e secreto prazer que é passar um dia sem celular. Dou-me a esse luxo não por achar que vivo afogada na tecnologia, mas porque considero uma tremenda trapaceada no tempo. É uma delícia não ser encontrável de vez em quando.
É uma questão de prática. No começo da relação com a tecnologia, você sente que está perdendo algo não se conectando, mas aos poucos vai percebendo que não é tão relevante saber de tudo o tempo todo.
Levo o computador para todas as viagens que faço, mas costumo ir a alguns lugares em que não há sinal de internet ou de telefone, e isso não causa tremedeira. Em compensação quando chego à civilização a primeira coisa que faço é me reconectar.
Lucia Santaella (pesquisadora de games e semiótica)
“Estou conectado. Logo existo”. Essa é a epígrafe de um dos capítulos do meu livro Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade. De fato, fica difícil imaginar uma existência desconectada, especialmente agora que o celular cada vez mais multifuncional passa a ser utilizado por todas as classes sociais. Além disso, no mundo de hoje, só o trabalho estritamente braçal pode dispensar as conexões das redes. Portanto, não se pode negar que nos tornamos dependentes do mundo digital e de tudo aquilo que ele nos proporciona, de modo que a angústia provocada pela desconexão não é uma questão apenas psíquica, mas resulta no fato de computadores e celulares computadorizados serem mediações não só de comunicação mas também de trabalho.
Vale ainda considerar que a necessidade de se desconectar não se coloca para os nativos digitais. Estes estão integrados às novas ferramentas como a uma segunda natureza. Suas faculdades cognitivas, perceptivas, sensórias e emocionais estão passando por profundas transformações quando comparadas às de gerações anteriores. Tanto isso é verdade que as questões que hoje se colocam no que diz respeito à transmissão, à aprendizagem e à aquisição de conhecimento são relativas à nova economia da atenção, à mente distribuída, à atenção parcial contínua. Além disso, a computação propiciada, por exemplo, pelos equipamentos móveis vem acabando com a polaridade entre estar conectado e desconectado, pois não precisamos mais estar parados na frente de um PC fixo para imergir no mundo virtual. A novidade é que podemos estar no virtual, fisicamente localizados e em movimento, tudo ao mesmo tempo.