Minha dissertação sobre o Projeto GNU

Olá! Quem acompanha esse desatualizado blog sabe que eu estava trabalhando nos últimos tempos em uma pesquisa de mestrado sobre a história do Projeto GNU e da criação do software livre. A ideia era construir um trabalho que apresentasse o contexto histórico, sobretudo da indústria do software, no momento em que o projeto de Richard Stallman foi criado, mas também investigar como o movimento software livre representava nos dias de hoje uma utopia que mobilizava tanto a esquerda quanto a direita.

O resultado disso vocês podem conferir abaixo. Coloquei o resumo do trabalho pra que vocês se familiarizem um pouco melhor antes de fazer o download.

Resumo:

Ao longo dos períodos históricos a técnica tem desempenhado um papel importante na formulação de demandas sociais. Os indivíduos sempre depositaram nas tecnologias suas expectativas e desejos para a construção de uma realidade diferente. O mesmo tem acontecido hoje com as tecnologias digitais. Muitos grupos sociais atribuem a elas um papel de possibilitadoras de uma sociedade mais justa e mais democrática, onde o conhecimento seja algo irrestrito e pertença a todos. Neste trabalho pretendemos apresentar, a partir de uma perspectiva histórica, esse debate contemporâneo em torno das tecnologias digitais como tecnologias emancipadoras. Para tal, trabalharemos com o Projeto GNU, representante do movimento software livre, idealizado na década de 1980 por Richard Stallman, e que se insere nesse debate através da sua defesa, não só de uma informática livre, mas do conhecimento livre como um todo. Entendemos que esse projeto é um dos principais representantes da tendência atual de depositar nas tecnologias digitais a expectativa de uma sociedade melhor. Investigamos as características desse discurso do Projeto GNU e buscamos perceber de que forma ele foi se construindo ao longo do tempo, assim como também quais práticas sociais o acompanham e quais indivíduos são seus portadores. Identificamos neste discurso a presença de palavras-chave historicamente mobilizadoras e que permitem que ele seja incorporado tanto por grupos de esquerda quanto de direita. Além disso, ao se colocar como um projeto político e defender uma sociedade diferente da que temos hoje, o Projeto GNU, com sua causa do software livre, é representante de uma verdadeira utopia moderna.

Link para download da dissertação: A tecnoutopia do software livre: uma história do projeto técnico e político do GNU.

Porque o software livre não é coisa de comunista

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Fonte da Imagem

Não é raro encontrarmos esse tipo de afirmação por aí, sempre que participo de eventos de tecnologia, que não são necessariamente de software livre, vez ou outra alguém faz esse tipo de afirmação descabida: “software livre é coisa de comunista, ou de socialista, ou de anarquista”.  Muitas vezes ignora-se até a distinção entre essas três correntes de pensamento. Bem, quem faz esse tipo de afirmação parece não saber muito sobre software livre e/ou sobre comunismo ou as outras correntes citadas. Me senti um pouco provocada a escrever um texto com algumas considerações sobre isso, já que faço parte de comunidades de software livre e também sou pesquisadora do tema, e já fui chamada muitas vezes de comunista/anarquista por isso!

Não acho que software livre seja coisa de comunista, anarquista ou socialista, e posso explicar porque. Como também não acho que esse tipo de ideia seja propagada de forma inocente, como sendo apenas fruto de ignorância histórica, acho que existe uma intenção de desqualificar o movimento, como se ao chamá-lo de “coisa de comunista” o colocasse num patamar de clubinho de esquerda ou alguma outra qualificação que tem a intenção de ser difamatória. Não acho que o movimento software livre seja comunista, porque classificá-lo assim é encerrá-lo numa coisa menor, é homogeneizar um movimento que possui tantos ativistas e atividades diferentes que não apenas estas relacionadas à defesa do comunismo. Ele não é coisa de comunista porque na verdade ele é para todos, é um movimento onde cabem todos os tipos de correntes de pensamentos, mesmo as opostas. Há pessoas de esquerda no software livre assim como há pessoas de direita, e é essa diversidade que o tem tornado bem sucedido. O software livre é uma solução para toda a sociedade, não apenas para a esquerda comunista ou para qualquer outro grupo.

No começo dos anos 80, quando Richard Stallman anunciou ao mundo a sua ideia de criar um sistema operacional completamente livre, ou seja, passível de ser usado, estudado, alterado e compartilhado, sem que fosse necessário qualquer tipo de permissão prévia do detentor de copyright do software para isso; ele o fez porque acreditava que o conhecimento compartilhado é a chave para o desenvolvimento social,  e impedir que as pessoas possam fazer isso é uma autossabotagem, um tiro no pé:

Eu estou tentando mudar a forma como as pessoas abordam o conhecimento e a informação em geral. Eu acho que tentar se apropriar do conhecimento, tentar controlar se as pessoas estão autorizadas a usá-lo, ou tentar impedi-las de compartilhá-lo,  é sabotagem. É uma atividade que beneficia a pessoa que a faz às custas do empobrecimento de toda a sociedade. [Richard Stallman em entrevista à BYTE em 1986]

Richard Stallman não propôs o software livre porque queria abolir a propriedade privada, como o querem os comunistas. A sua intenção, como ele bem destacou acima, é aproveitar as possibilidades que as tecnologias digitais nos oferecem e, através delas, mudar a forma como estamos nos relacionando com o conhecimento. Em que isso tem a ver diretamente com o comunismo? A ideia central com a qual o software livre se relaciona não é a da gratuidade, mas a da liberdade de uso. Portanto, o software livre pode ser vendido, ou seja, alguém que produz determinado software pode vendê-lo do preço e da forma que quiser, isso é capitalismo básico. Não há no software livre a condenação da transformação do conhecimento [software, no caso] em produto e nem a condenação da ideia de se obter lucro com ele, desde que isso não  se torne um obstáculo para que o software seja compartilhado. Não importa se o software é comercial ou não, o que importa é que ele respeite as liberdades essenciais dos seus usuários.

O que movimento software livre representa, portanto, não é um projeto comunista, ele representa um projeto social inclusivo, no qual todos possam ter livre acesso ao conhecimento, sem distinção de orientação política, sexual, de questões de cor ou de credo. Querer pintá-lo como um movimento de panelinha ou de única orientação ideológica é um grande erro.